segunda-feira, 19 de novembro de 2012

ESTOU NO MEIO DA GREVE GERAL EM PORTUGAL*

Aristóteles que me desculpe, mas o que estava tentando me ensinar na biblioteca nem de longe faria sentido se eu não houvesse fechado seu livro e ido às ruas, juntar-me aos outros estudantes da Universidade de Coimbra; aos professores, aposentados ou não, e aos demais funcionários da educação; aos comerciantes; aos funcionários da saúde; e, principalmente, se eu não tivesse ido me juntar às crianças, e, até mesmo, aos cachorros, que, todos juntos, se manifestaram na principal avenida da cidade de Coimbra esta manhã, 14 de novembro de 2012, na Greve Geral que foi programada para todo o país português (e que também está a acontecer em outros lugares, como a Espanha).
 
Aliás, pouco importaria o que Aristóteles teria a dizer se ele não nos servisse de algo efetivamente! E o que pude perceber ao participar das manifestações de greve na cidade de Coimbra foi uma greve marcada, principalmente, pela educação. “Não deixe que seja a educação a pagar a crise”, dizia um dos cartazes. Só a educação pode apagar a crise, e, pelo contrário, está a pagar por ela! Os cortes orçamentários do governo português para pagar suas dívidas e a austeridade da Troica estão afetando diretamente a adesão de estudantes ao ensino superior e, o que é pior, estão levando ao abandono dos que lá já se encontram.

O que decidi fazer foi sair às ruas e conversar com as pessoas afetadas pela crise e pela greve. Já que estou por aqui, vendo e vivendo tudo isso, aproveitei pra conversar com as pessoas da cidade.

Um policial, que estava a “uma praça de distância” da greve disse que dali “nem deu pra ouvir o barulho”. Uma pena. Porque o barulho estava lindo! De início ele não quis dar conversa, mas quando viu que eu ia me retirando meio cabisbaixa graças à sua falta de interesse.. “uma vez eu também fazia greve. Mas agora não dá. Se eu faço greve assaltam tudo, fica pior” – e apontou o banco. Perguntei se a greve havia mudado muito a sua rotina de trabalho, “mudou que todos os meus colegas que estavam de folga tiveram que trabalhar..”. E quem é que adere à greve? “É uma opção particular. Tanto que ninguém sabia o que ia acontecer hoje, ninguém sabia quem ia aparecer pra trabalhar ou não.”. Um outro policial (ambos municipais), também conversou gentilmente comigo (ele aparece ali na foto!), quando as ruas já estavam vazias, algumas horas depois. Teve muito trabalho hoje, na greve? “Não, não. Foi bem organizada, não houve bagunça, foi pacífica. Eu fiquei assistindo.”.
 

Mas nem tudo era barulho. Da minha casa, por exemplo, onde costuma-se ouvir as crianças brincando no recreio de uma escola próxima, não se ouvia nada! Fui lá conferir e encontrei o cartaz da foto. Havia, entretanto um setor em funcionamento, na educação infantil. Aproveitando que as professoras estavam ali pertinho do portão, cheguei pedindo desculpas pela curiosidade, mas queria saber se a escola não estava em greve.. só uma delas me deu papo, dizendo que as greves que já fez nunca resolveram nada, e que era descontado do salário de quem fizesse. Quando chegou, pela manhã, na escola, não sabia quem viria trabalhar, mas acabou que vieram todas as funcionárias daquele setor. “As crianças, vieram só metade..” (estavam lá, os miúdos!, lá na avenida, que eu vi!). 







Na rodoviária a atendente não entendia minha curiosidade. Queria ver se estão em greve: “me diz pra onde quer ir que te digo se estão em greve!”, ah, mas então não são todos que aderiram?, “não.”, e quais aderiram? “me diz pra onde quer ir que eu te digo.”, mas eu não queria mesmo ir a lugar nenhum. Me olhou com cara de enfado. Tá bom, quero ir a Lisboa! “não dá. A linha tá em greve.”.

O jeito foi pedir carona.




 
A estação de trem estava vazia. Os trens todos parados nas linhas.

No hospital também não fui muito bem recebida. A sala de espera estava cheia, mas não sei como é no dia-a-dia, então não posso dizer se foi realmente afetado. A única coisa que o moço das informações quis me dizer, diante da incredulidade da minha curiosidade sobre o assunto, foi que “alguns entram em greve, outros não entram.”. Mas.... alguém do hospital entrou?, perguntei pela terceira vez. “alguns entram, outros não. Alguns da enfermagem entraram.”.

jornaleiro aqui da rua disse que os jornais de amanhã é que vão “ter os números”. A banca foi afetada pela greve? Foi.. não teve movimento. Mas mesmo contra a greve, dizia que o povo precisa lutar. “Votar não adianta, porque os governos são sempre iguais”. Mas lutar como, senão com a greve? Ah, isso ele não sabia me dizer.
 
 
Passei na feira, no Mercado Municipal de Coimbra, pra ver como estavam as movimentações por lá. Não foi de todo uma surpresa que ‘movimentação’ não era bem o caso. O costumeiro clima de conversas, cores e cheiros, apresentava brancura e silêncio melancólicos. Uma senhora que recolhia seus escassos produtos se alegrou em me ver e foi logo perguntando “a menina quer alguma coisa?”. Hoje não quero não, só queria mesmo era saber se a feira já terminou ou se está assim vazia por causa da greve. “Ah, isso foi da greve. Hoje não teve movimento; tanto porque ninguém veio comprar, quanto porque não havia transporte para os feirantes.. não tem comboios (trens), nem tem ônibus pra trazer os feirantes.”, é que a maioria é de fora da cidade, né? “é, a grande maioria. Mas eu fico feliz, viu? Porque assim a greve dá certo.” ; a senhora acha que o jeito de a greve dar certo é afetando assim? “ah, infelizmente tem que ser, né?”. E me sorriu em despedida. Visionária. Menos sorridente, na sessão de peixes, que estava menos fedorenta do que o normal, já que quase sem produtos, uma outra feirante disse que não é nem a favor nem contra a greve. Mas que não adere. Não adere porque é “comerciante autônoma. O que eu teria vendido hoje era pro meu sustento. Ninguém vai me pagar.”. Mas será que um sofrimentozinho hoje não vai ajudar pra daqui um tempo? Me respondeu com uma cara feia. A greve não vai afetar o governo?, só o povo? “O governo? Ixi, o governo tá sempre de bolso cheio. O povo só sofre.” .. e começou a contar do marido, do filho, da escola que não sabia se entrava em greve ou não, dos outros feirantes, e assim foi.. me contando histórias. E, ainda por cima, abandonada pelos clientes, abandonada pelo governo, me agradeceu pela atenção quando eu me despedi. Eu que agradeço.

Eu não sou jornalista, nem fotógrafa, não sou ecônoma, nem política. 
Meus pais me 'mandaram' a Portugal pra estudar Filosofia.
Mas tenho certeza de que eles estão absolutamente orgulhosos de eu ter abandonado a biblioteca sem deixar Aristóteles ou qualquer outro filósofo lá dentro*, mas levando-os comigo, como o fizeram os grevistas portugueses, que, lutando (entre outros) pela educação, foram para as ruas esclarecidos, de maneira educada, fazendo reivindicações coerentes, e não deixando pra trás nem vandalismos nem sujeiras. Apenas gritos de indignação ecoando.

Tive conhecidos afetados pela greve graças à paralisação de tantos setores da cidade. Mas, mais do que isso, tive conhecidos (e inclusive sou uma delas, e você é outro.), que foram afetados pela crise que a promoveu. 
 
Não sei se a greve é a resposta para a crise portuguesa. Mas enquanto tomamos as mesmas atitudes, continuamos obtendo os mesmos resultados. O que o povo português fez foi se apresentar na avenida.. e não foi para sambar!

* Relato de Barbara Tortato, estudante de Filosofia da UPF e intercambista na Universidade de Coimbra sobre os impactos do 14N em Portugal.
 
** E para combater um certo Sócrates - não se enganem.. Sócrates é o nome de um dos ex-primeiro-ministros responsáveis pela crise portuguesa, por ter feito mau uso dos recursos públicos gerados pela admissão de Portugal à UE.

Fonte:
Modo ônfalo de ser

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